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Ideal Axadrezado #014 - Do amadorismo directivo à batalha pela permanência

Ideal Axadrezado #014 - Do amadorismo directivo à batalha pela permanência
Uma justa homenagem da parte dos Panteras Negras àqueles que nunca abandonaram o Boavista.

Não há como atenuar: fomos atropelados por um Sporting implacável que transformou o Bessa num pesadelo axadrezado

Se quiséssemos resumir a noite de ontem numa só palavra, seria "vergonhoso". Não pelo resultado em si - era esperada a superioridade dos leões - mas pela forma como entregámos o nosso estádio e como a nossa defesa se desmanchou em frente a um Gyökeres que fez do Bessa o seu parque de diversões pessoal.

Já sabíamos que seria difícil. O Sporting, na luta acérrima pelo título com o Benfica, chegou ao Bessa com fome de golos e munido do seu trio ofensivo demolidor. Mas, como boavisteiros, tínhamos no mínimo a expectativa de ver uma equipa a lutar, a dificultar, a resistir. Nada disso aconteceu.

Tacticamente desajustados

O sistema 5-4-1 montado por Stuart Baxter provou-se inadequado. Não é que a ideia fosse má - tentar fechar os espaços e sair em transições rápidas - mas a execução foi desastrosa. Abascal, num exibiçã opara esquecer, não conseguiu travar Gyökeres. Na verdade, ninguém conseguiu. Filipe Ferreira, a arrastar-se pelo flanco, foi constantemente ultrapassado. Van Ginkel e Moussa Koné, escolhidos para o miolo, mostraram-se incapazes de pressionar ou recuperar bolas.

A nossa estratégia defensiva evaporou-se aos seis minutos, quando Gyökeres inaugurou o marcador. Maxi Araújo cruzou, o sueco apareceu ao primeiro poste e o nosso Vaclík - um dos únicos a sair com nota positiva desta noite - nada pôde fazer.

Tivemos um lampejo de reação, quando Reisinho cabeceou à barra, mas a partir daí foi um festival verde e branco. O nosso meio-campo, incapaz de recuperar bolas, deixava enormes espaços para as triangulações do Sporting. E quando tínhamos a bola? Insistimos em perdê-la em zonas perigosas, mostrando uma infantilidade técnica imperdoável.

O segundo golo, mesmo antes do intervalo, matou o jogo. Uma bola perdida, Trincão lançou Gyökeres na profundidade, e o sueco, demonstrando toda a sua qualidade individual, fintou e rematou para o fundo da baliza. Fim da primeira parte, fim das esperanças.

Segunda parte: o desmoronar total

O intervalo trouxe Robert Bozenik e Ariyibi para os lugares de Van Ginkel e Moussa Koné, mas o resultado foi o mesmo. Nem cinco minutos após o reinício, Gyökeres completava o hat-trick. Aos 57 minutos, Maxi Araújo fazia o quarto, depois de Vaclík defender um remate do inevitável sueco. O quinto, já nos descontos, marcou o resultado final.

Bessa: a nossa casa transformada em salão de festas alheio

O ambiente no estádio foi talvez o aspeto mais doloroso da noite. O Bessa estava cheio, sim, mas pintado de verde. Quase 15 mil sportinguistas ocuparam as bancadas, transformando o nosso território em terreno hostil para as nossas próprias cores. Quando os primeiros golos começaram a entrar, instalou-se o pesadelo sonoro: a festa leonina contrastava com o silêncio, a frustração e a revolta dos boavisteiros presentes.

Houve incidentes nas bancadas, com adeptos do Sporting a festejarem descontroladamente entre boavisteiros, situação que a nossa direção deveria ter antecipado e evitado. É humilhante e doloroso, para quem joga em casa.

Este é um problema recorrente nos jogos grandes: a venda indiscriminada de bilhetes transforma a nossa casa num estádio neutro ou, pior, na casa emprestada dos visitantes. Uma política suicida que mata o nosso orgulho e não respeita quem está semana após semana a apoiar.

Os destaques individuais: poucos se salvam

Tomáš Vaclík, sem dúvida, foi o menos culpado pela goleada. O guarda-redes checo ainda evitou que o resultado fosse mais expressivo, com pelo menos quatro defesas cruciais perante o insaciável Gyökeres.

Fogning continua a mostrar maturidade acima da idade, sendo uma das poucas notas positivas nesta noite negra. Sidoine foi competente, como tem sido ao longo da época.

O futuro imediato: a final das Aves

A derrota de ontem não foi inesperada. O que não se esperava era a forma humilhante como aconteceu. Mas é preciso virar a página rapidamente, porque o verdadeiro campeonato do Boavista joga-se na próxima segunda-feira, na Vila das Aves.

Com o resultado desta jornada, continuamos em 18º lugar, com 21 pontos, igualados com o Farense. O lugar de play-off está a três pontos, ocupado pelo próprio AFS que iremos defrontar. Trata-se, sem exageros, da partida mais importante da época, uma verdadeira final pela sobrevivência. Uma derrota significa o adeus à primeira divisão; uma vitória relança-nos na luta.

Para a "final" das Aves, é imperativo que o meio-campo seja reforçado. Seba Pérez e Ibrahima devem regressar para dar consistência defensiva. Joel Silva mostrou alguma qualidade e merece continuar. Na frente, Bozenik, que continua a merecer o nosso apoio após o que tem passado na vida pessoal, deverá liderar o ataque.

Resta-nos esperar uma "invasão" boavisteira à Vila das Aves, para que possamos, pelo menos por uma vez nesta recta final, sentir que jogamos em casa, com o apoio que a equipa merece. A manutenção ainda é possível, mas passa obrigatoriamente pela vitória na próxima jornada.

Como boavisteiros, apesar da noite para esquecer, é hora de levantar a cabeça. O apoio tem de ser incondicional nos próximos três jogos, mesmo que doa, mesmo que a esperança esteja por um fio.


O caso Bozenik exemplifica o amadorismo institucional que nos condena à luta pela sobrevivência

A telenovela Bozenik chegou a um desfecho tão previsível quanto desolador. Se na semana passada questionávamos a lógica de vender o nosso principal avançado em plena luta pela manutenção, agora somos confrontados com uma realidade ainda mais embaraçosa: nem para vender jogadores a nossa direção tem competência.

Neste enredo kafkiano que se tornou a temporada 2024/25, nem os mais criativos argumentistas conseguiriam inventar o que se passou. O nosso avançado, autorizado a viajar para os Estados Unidos para assinar pelo Real Salt Lake, foi obrigado a regressar de mãos vazias porque, pelos vistos, Fary Faye decidiu mudar as regras do jogo à última hora. Um comportamento negocial amador que nos envergonha como instituição e prejudica a nossa já fragilizada imagem no mercado internacional.

A versão do empresário: retrato fiel do caos institucional

As declarações de John Inglis, empresário de Bozenik, não podiam ser mais esclarecedoras sobre a incompetência que grassa nos corredores do Bessa. "O motivo foi a comunicação não totalmente eficaz entre as duas partes e também as exigências financeiras do presidente do Conselho de Administração do Boavista, Fary Faye, que alterou tudo à última hora", explicou Inglis.

Este não é um mero detalhe técnico. É um indicador alarmante de amadorismo negocial. Alterações de última hora, mudanças de moeda, exigências adicionais – tudo isto revela uma gestão improvisada, sem estratégia, que parece navegar a cada dia sem bússola nem leme.

Mais grave ainda é perceber que este não foi um caso isolado. Como bem lembrou o empresário, Bozenik já tinha vivido situação semelhante em janeiro de 2024, quando esteve em Sevilha, fez exames médicos e viu a transferência cair por desacordo entre os clubes quanto à forma de pagamento. Na altura, falava-se em seis milhões de euros – valor que agora parece uma miragem distante para um jogador cujo valor de mercado foi erodido pela nossa própria incompetência.

Para um clube com impedimentos de inscrição, dívidas acumuladas e uma situação financeira precária, espanta que se tenha deixado cair um negócio deste calibre por questões que poderiam e deveriam ter sido clarificadas desde o início das negociações.

O jogador: a única figura digna neste enredo

No meio deste fiasco negocial, apenas Robert Bozenik emerge com dignidade. Apesar da óbvia desilusão – nas palavras do seu empresário, "ele e a família ficarão zangados com o Boavista" – o avançado manteve o profissionalismo exemplar.

Stuart Baxter, na conferência de imprensa pré-Sporting, confirmou esta postura: "O Robert tem sido um profissional muito bom, lidou com a desilusão, treinou hoje e está disponível para o jogo. Não vejo nenhum sinal de infelicidade ou desequilíbrio."

A esquizofrenia institucional continua

Este episódio reforça o que já tínhamos diagnosticado na semana passada: vivemos uma esquizofrenia institucional crónica. Começámos a época deliberadamente impedidos de inscrever jogadores, transmitindo confiança no plantel existente. Em janeiro, mudámos drasticamente de postura, tentando freneticamente reforçar o plantel. Agora, em plena luta pela sobrevivência, quase vendemos o nosso principal avançado – e nem isso conseguimos fazer com competência.

A pergunta permanece: qual é, afinal, o verdadeiro projeto para o Boavista? Lutar pela manutenção? Preparar uma descida de divisão controlada? Ou simplesmente navegar ao sabor do vento, sem rumo definido, esperando que algum milagre nos salve? Continuamos sem respostas claras, apenas com mais um capítulo vergonhoso na nossa história recente.

Reflexos desportivos: a preparação comprometida

As consequências desportivas deste episódio são imediatas. Para o jogo crucial contra o Sporting, perdemos dias valiosos de preparação de Bozenik, que viajou para os Estados Unidos e regressou desgastado física e psicologicamente. Como referiu o Record, o jogador "não terá naturalmente grandes condições, físicas e psicológicas, para ainda dar o seu contributo à equipa no jogo de domingo".

Num momento em que precisamos de todos os recursos disponíveis para a luta pela manutenção, comprometemos a preparação do nosso principal avançado por uma transferência que acabou por não se concretizar. É mais um exemplo de como a incompetência administrativa acaba por ter reflexos diretos no rendimento desportivo.

Se há algo que este episódio nos ensina é que não podemos esperar mudanças significativas enquanto a actual estrutura dirigente se mantiver. A falta de visão estratégica, o amadorismo negocial e as decisões erráticas continuarão a marcar o nosso dia-a-dia enquanto Gérard Lopez e Fary Faye comandarem os destinos do clube.

Os adeptos, como sempre, são os mais prejudicados. Assistimos impotentes ao descalabro administrativo, enquanto tentamos ainda acreditar numa salvação desportiva que se afigura cada vez mais difícil. E mesmo que consigamos a manutenção – o que ainda é possível, apesar de tudo – que garantias temos de que o próximo ano não será mais do mesmo?

Bozenik, pelo menos, terá a oportunidade de sair no final da época, como sugeriu o seu empresário. Nós, boavisteiros de coração, não temos essa opção. Estamos condenados a assistir a esta tragicomédia sem fim, agarrados à esperança de que algum dia a nossa gestão esteja à altura da nossa história.

Enquanto isso, resta-nos fazer o que sempre fizemos: apoiar a equipa incondicionalmente nos momentos decisivos que se aproximam porque, apesar de tudo, o Boavista é muito maior que os seus dirigentes de ocasião.


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