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Ideal Axadrezado #004 - Boavista sem Estrelinha, saída de Bracali e Gestão de Património Dúbia

Ideal Axadrezado #004 - Boavista sem Estrelinha, saída de Bracali e Gestão de Património Dúbia

Mais uma Noite de Agonia: Boavista 0 - 1 Estrela da Amadora

Em noite de São Valentim, o Estádio do Bessa testemunhou mais um capítulo doloroso na temporada do Boavista. A estreia de Lito Vidigal e de vários reforços não impediu a equipa axadrezada de somar a sétima derrota consecutiva na Liga, caindo por 0-1 frente ao Estrela da Amadora num jogo que espelhou todas as fragilidades do momento actual e acentuou a crise profunda que se vive na instituição.

O Contexto da Crise

O cenário que antecedeu o jogo já era revelador da instabilidade que se vive no clube: estreia de um novo treinador após a saída de Bacci, chegada de vários reforços e uma equipa que não vence há 11 jogos em casa - uma sequência que remonta a março de 2024. O Boavista, cada vez mais afundado na tabela, recebia um Estrela que também procurava quebrar um jejum de 16 meses sem vitórias fora de casa. A "ironia do destino" quis que fosse precisamente no Bessa que os amadorenses quebrassem este ciclo negativo.

Um Sistema em Mudança e Decisões Polémicas

Lito Vidigal surpreendeu com uma alteração tática significativa, implementando um sistema de três centrais com Sidoine Fogning (estreante vindo do Coimbrões que já treinava no Bessa desde Julho) integrando a linha defensiva. A aposta em Van Ginkel e a posterior entrada de Kurzawa demonstraram a intenção de dar minutos aos reforços, ainda que a falta de ritmo competitivo tenha sido evidente em ambos os casos.

A decisão de manter Pedro Gomes no onze inicial, bem como a gestão das substituições - com destaque para a entrada e saída prematura de Tiago Machado - geraram forte contestação entre os adeptos. A falta de soluções ofensivas no banco limitou significativamente as opções para alterar o rumo do jogo.

Análise Táctica e Individual

A opção arriscada pelo sistema de três centrais evidenciou desde cedo a falta de rotinas entre os jogadores. Este cenário foi agravado pela ausência de Seba Pérez no meio-campo, elemento importante na transição defesa-ataque. Apesar da superior posse de bola, o Boavista mostrou-se incapaz de transformar esse domínio em verdadeiras situações de perigo.

No capítulo individual, a estreia de Sidoine Fogning trouxe alguma esperança. O central, vindo do Coimbrões, demonstrou segurança nos duelos e uma maturidade surpreendente para alguém vindo dos distritais. Bozenik, apesar do azar no remate à trave, manteve o espírito combativo que o caracteriza, enquanto Abascal tentou assumir responsabilidades na liderança do sector defensivo.

No lado menos positivo, César voltou a evidenciar inseguranças que têm custado pontos preciosos à equipa. Os reforços Van Ginkel e Kurzawa, claramente limitados pela falta de ritmo competitivo, pouco acrescentaram ao jogo da equipa. A prestação de Pedro Gomes continuou a gerar dúvidas, com problemas evidentes de posicionamento que se estenderam a toda a linha defensiva. No meio-campo, Reisinho passou praticamente despercebido, falhando na missão de dar fluidez ao jogo ofensivo.

O Impacto nas Bancadas e o Futuro Próximo

A frustração nas bancadas do Bessa, onde apenas 4.494 espectadores marcaram presença, estendeu-se rapidamente às redes sociais. As críticas visaram não só as opções tácticas de Lito Vidigal, com particular foco na continuidade de Pedro Gomes no onze, mas também questões mais estruturais. A preparação física dos reforços foi colocada em causa, assim como a política de bilhética que tem afastado adeptos do estádio. O debate alargou-se à gestão da SAD, com vozes cada vez mais críticas das decisões estratégicas tomadas nos últimos meses.

A situação do clube agrava-se a cada jornada. O último lugar, com oito pontos de distância para a posição de playoff, torna a deslocação à Luz ainda mais preocupante. A necessidade de integrar rapidamente os restantes reforços, como Koné, Aribi, Diaby, entre outros, torna-se premente, enquanto cresce a pressão sobre a direção para implementar mudanças estruturais que possam ainda evitar o pior cenário.

Conclusão

Em noite de São Valentim, o amor dos adeptos pelo clube foi novamente testado com uma exibição que misturou momentos de entrega com erros cruciais e decisões questionáveis. A "alma" mencionada por Lito Vidigal esteve presente em certos momentos, mas num futebol onde só os pontos contam, o Boavista continua sua espiral descendente. A luz ao fundo do túnel, se existe, parece cada vez mais ténue, e apenas uma reviravolta significativa nas próximas jornadas poderá evitar o que parece cada vez mais inevitável.

Números e Estatísticas Relevantes

  • 7ª derrota consecutiva na Liga
  • 11 jogos sem vencer em casa (desde março 2024)
  • 4.494 espectadores no Estádio do Bessa
  • 14 remates (contra 7 do Estrela)
  • 8 pontos de distância para a posição de playoff
  • 12 jogos por disputar até final do campeonato

Bracali e as Palavras Não Ditas: O Adeus de Quem Viveu a Crise Por Dentro

Só Deus e a minha família sabem o que passei neste meio ano como diretor desportivo.

Com estas palavras, Rafael Bracali despediu-se do Boavista, deixando no ar mais perguntas que respostas sobre o que realmente se passou nos bastidores do clube nos últimos tempos.

O ex-guarda-redes, que defendeu as cores axadrezadas durante cinco épocas e realizou 89 jogos pelo clube, assumiu o cargo de diretor desportivo a 12 de julho de 2023. Menos de um ano depois, a aventura termina com um sabor amargo e declarações que sugerem um período particularmente turbulento nos corredores do Bessa.

A mensagem de despedida de Bracali nas redes sociais é um exercício de contenção diplomática, mas as entrelinhas são reveladoras. "Os meus princípios e a minha dignidade são inegociáveis", afirma, numa frase que levanta mais perguntas que respostas sobre o que terá testemunhado durante o seu período como director.

O timing da sua saída, coincidindo com um dos períodos mais turbulentos da história recente da Boavista SAD - entre impossibilidade de inscrever jogadores e crise desportiva - sugere que o que viu nos bastidores o terá convencido da impossibilidade de continuar.

O brasileiro deixa uma mensagem de agradecimento aos adeptos, acompanhada de imagens dos momentos passados no Boavista e do hino do clube, numa demonstração clara de que a sua ligação emocional à instituição permanece intacta. É o sistema, não o Boavista, que parece ter esgotado a sua paciência.

As palavras "só Deus sabe o que passei" carregam um peso particular no contexto actual do Boavista. Num momento em que o clube luta pela sobrevivência na Primeira Liga, com um plantel desfalcado e problemas institucionais graves, a saída de alguém que estava "por dentro" e que escolhe estas palavras específicas para se despedir é, no mínimo, preocupante.

Bracali promete que "em breve" dará mais esclarecimentos sobre "toda a verdade", numa frase que sugere que há muito mais por contar sobre o que se passa nos bastidores do clube. A questão que fica é: quão grave terá sido o que presenciou para que alguém com uma ligação tão forte ao clube tenha decidido que era impossível continuar?

O Boavista perde assim mais uma figura, alguém que conhecia o clube por dentro e que poderia ter sido fundamental no processo de reestruturação. A sua saída, e particularmente na forma de como acontece, é mais um sinal preocupante do estado actual do panorama axadrezado.

"A caminhada do estrangeiro para uma nova aventura como diretor", como ele próprio descreve o seu próximo passo, começa agora. Para o Boavista, fica mais uma baixa significativa e a promessa de revelações futuras que provavelmente não serão agradáveis de ouvir.


North Festival: Quando a Gestão do Património Falha

O cancelamento do North Festival, previsto para maio no Estádio do Bessa, vem acrescentar mais um capítulo complexo à gestão do património do clube. Com uma potencial indemnização de um milhão de euros em causa, este é mais um episódio triste do Boavista Futebol Clube.

As circunstâncias que rodeiam este caso são particularmente preocupantes. Um contrato foi assinado em Janeiro de 2025, estabelecendo a utilização do estádio do Bessa por 115 mil euros, com um adiantamento de 20 mil euros já recebido pelo clube. O cancelamento do evento, justificado por alegadas questões processuais, resultou num pedido de indemnização avultado por parte da organização, colocando o clube numa posição (ainda mais) delicada. Na sua essência, o Boavista Futebol Clube assinou um contrato de cedência do espaço do relvado do estádio do Bessa para um evento que poderá coincidir com o play-off de manutenção e para o qual precisava obrigatoriamente de ter o aval da Boavista SAD, como define o acordo parassocial que existe entre ambas entidades.

A ausência de assessoria jurídica adequada em contratos desta dimensão é um luxo que o clube não se pode dar, especialmente considerando o momento actual. As consequências deste caso ultrapassam largamente a questão financeira imediata. Para além da perda da receita prevista e da potencial indemnização, o clube enfrenta agora (mais) um desafio reputacional significativo. A capacidade de atrair futuros eventos para o estádio do Bessa fica naturalmente comprometida, numa altura em que a diversificação de receitas é mais crucial que nunca.

O North Festival não é um evento qualquer. Ao longo dos anos, trouxe ao Porto artistas como Prodigy, Robbie Williams, Franz Ferdinand, Nelly Furtado e Keane, atraindo em média 40 mil espectadores. A perda de um evento desta dimensão representa mais do que apenas números numa folha de balanço contabilístico - é uma oportunidade desperdiçada de projectar o Bessa e o Boavista FC num contexto que transcende o futebol.

O caminho a seguir torna-se claro. O clube necessita urgentemente de modernizar os seus processos de gestão patrimonial. Isto passa por uma revisão profunda da forma como os contratos são validados e por uma maior profissionalização das estruturas de decisão. A transparência nos processos não é apenas desejável - é fundamental para evitar situações semelhantes no futuro.

Este episódio deve servir como um momento de reflexão. O Boavista, pela sua história centenária e dimensão institucional, merece uma gestão à altura do seu património. Os sócios e adeptos, que tanto têm sofrido nos últimos anos, merecem ver o seu clube gerido com o profissionalismo e competência que a sua grandeza exige.

Que o caso do North Festival sirva, pelo menos, como catalisador para as mudanças necessárias na gestão do clube. O património do Boavista é demasiado valioso para ser gerido de forma menos que exemplar. O futuro do clube depende da capacidade de aprender com estes episódios e implementar as mudanças necessárias para que não se repitam.