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Ideal Axadrezado #002 - Estão matar o Boavista! Rescaldo Boavista x Famalicão e Janela de Transferências

Ideal Axadrezado #002 - Estão matar o Boavista! Rescaldo Boavista x Famalicão e Janela de Transferências

Há derrotas e derrotas. A última no Bessa, frente ao Famalicão (0-2), foi particularmente dolorosa não tanto pelo resultado em si, mas por tudo o que ele representa e pelo que nos mostrou sobre o atual momento do clube.

Começou antes do apito inicial. Cinco suplentes no banco - sim apenas cinco - e a ausência forçada de Seba Pérez da convocatória por alegada falta de compromisso para com a equipa: um capitão do plantel, dos jogadores mais experientes, respeitados e bem-pagos, até ele opta por atirar a toalha ao chão e deixar os seus companheiros ainda mais fragilizado. Um plantel desfalcado que é o espelho de uma instituição em dificuldades profundas, onde cada jogo se torna uma batalha desigual antes mesmo de a bola começar a rolar.

E quando rolou, a história foi cruel. Aos 5 minutos, Sejk aproveitou a primeira oportunidade do Famalicão para marcar. A partir daí, vimos uma equipa que, apesar das limitações evidentes, tentou jogar com personalidade. Joel Silva e Gonçalo Almeida procuraram dar largura ao jogo, Ibrahima Camará lutou no meio-campo como se não houvesse amanhã, mas a qualidade individual e as rotinas que nos faltam acabaram por ser determinantes.

O segundo golo, da autoria de Gustavo Sá aos 55 minutos, foi um reflexo perfeito do momento: nasceu de um contra-ataque após um dos nossos melhores momentos ofensivos. É a lei do mais forte, e neste momento, somos claramente o elo mais fraco.

César, com algumas intervenções de qualidade, continua a ser uma das poucas notas positivas. Alexandre Marques, estreante no onze inicial aos 19 anos, mostrou personalidade apesar do contexto adverso. São sinais de que ainda há vida, ainda há orgulho, mas será suficiente?

Este clube com mais de 120 anos de história provam que desistir nunca foi opção. Mas também é verdade que precisamos urgentemente de ajuda. O Boavista está a transformar-se numa espécie em vias de extinção no seu habitat natural - a primeira divisão - e o tempo começa a escassear.

Dez jogos sem vencer, cinco derrotas consecutivas, último lugar na classificação. São números que doem, que assustam, que nos fazem questionar se esta não será mesmo das noites mais escuras no Bessa. Nós, adeptos e sócios, continuaremos com a equipa, porque é nos momentos difíceis que os grandes clubes mais precisam do seu povo.


Uma Instituição Axadrezada em Agonia

Em psicologia, os sete estágios do luto descrevem o processo pelo qual passamos ao enfrentar uma perda significativa. No Bessa, estes estágios misturam-se numa dança macabra sem fim aparente, onde cada dia traz consigo uma nova dose de realidade difícil de digerir. Como instituição centenária, o Boavista já viveu momentos de glória e de crise, mas o atual momento parece testar os limites da nossa resistência de forma inédita.

Antes de mergulharmos nos estágios do luto, importa contextualizar o momento. O Boavista Futebol Clube, instituição centenária do desporto nacional, campeão em 2001, semi-finalista da Taça UEFA, com várias presenças na Champions League, encontra-se numa espiral descendente que parece não ter fim. De instituição bancária em instituição bancária, de acordo em acordo, de promessa em promessa, chegámos a um ponto onde até o básico - pagar ordenados, inscrever jogadores, manter um plantel competitivo - se tornou um desafio aparentemente intransponível.

1. Choque: O Pesadelo Recorrente

O choque já não é um momento; é um estado permanente. Cada dia traz consigo uma nova facada no orgulho axadrezado. A última semana de mercado de transferências que terminou segunda-feira foi o exemplo perfeito: primeiro, era o Plano A com as famosas certidões de não dívida. Falhou.

O choque está no olhar dos funcionários que, mês após mês, continuam a trabalhar sem ver o ordenado. Está nos comunicados oficiais que prometem soluções "nas próximas horas" - horas que se transformam em dias, que se transformam em semanas. Está na cara dos adeptos quando vêem apenas cinco suplentes no banco, alguns ainda com acne juvenil.

O mais chocante não são os problemas em si - esses já os conhecemos. É a normalização do absurdo. É ver um clube histórico transformado numa espécie de experiência social sobre quanto tempo uma instituição consegue sobreviver sem o básico.

2. Negação: A Arte do Autoengano

A negação no Bessa tem contornos quase artísticos. É uma dança complexa entre realidade e fantasia, onde cada novo plano é apresentado como a solução definitiva. Primeiro, negámos que a situação fosse tão grave. Depois, negámos que não houvesse solução à vista. Agora, negamos a própria realidade dos números.

Os planos sucedem-se com uma criatividade digna de nota. Plano A, Plano B... O alfabeto não chegará para tantas tentativas falhadas pois não existem planos sem resolver o tema central: levantar os impedimentos na FIFA. É como se vivêssemos num universo paralelo onde as leis da física financeira não se aplicam, onde é possível resolver dívidas com promessas e FIFA BANs com boas intenções.

A negação manifesta-se até na linguagem dos comunicados oficiais. "Entraves que o Administrador Judicial ainda não conseguiu desbloquear", dizem. Como se o problema fosse apenas burocrático, como se bastasse carimbar um papel para resolver anos de gestão danosa.

Esta negação institucionalizada é particularmente cruel porque alimenta falsas esperanças. Cada novo plano é uma nova oportunidade para acreditar, para depois cair na realidade com ainda mais força.

3. Raiva: O Rugido de dor

A raiva no Bessa tem muitas faces. É a raiva silenciosa dos funcionários que continuam a trabalhar sem receber. É a raiva vocal dos adeptos nas redes sociais. É a raiva contida nas entrelinhas das declarações do treinador Cristiano Bacci, que semana após semana tenta fazer omeletes sem ovos.

Mas a raiva mais profunda é aquela que não se vê. É a raiva de ver um clube histórico transformado num caso de estudo de má gestão. É a raiva de ver jovens talentos queimados prematuramente porque não há alternativa. É a raiva de ver o nome Boavista associado a headlines que nada têm a ver com futebol e que vão erodindo o nosso bom nome.

É uma raiva que se multiplica a cada novo desenvolvimento. Raiva da SAD que promete e não cumpre. Raiva do sistema que permite que um clube centenário seja gerido desta forma. Raiva dos organismos que regulam o futebol português e que parecem mais preocupados com questões de forma do que de substância. Raiva dos sócios que, apesar de enganados, continuam a querer acreditar naquelesq ue lideram quero Clube quer a SAD.

A raiva aumenta quando vemos outros clubes a reforçarem-se enquanto nós nem conseguimos inscrever jogadores. Quando vemos equipas teoricamente mais pequenas a crescerem enquanto nós definhamos. Quando pensamos no que poderia ser se tivéssemos apenas uma gestão competente.

4. Negociação: O Labirinto Kafkiano

A fase de negociação no Bessa transformou-se num exercício surreal digno de Kafka. Negociamos com a Segurança Social. Com a Autoridade Tributária. Com a FIFA. Com credores. Com o administrador judicial do PER. É um ballet burocrático onde cada passo em frente parece resultar em dois passos atrás.

As negociações multiplicam-se em várias frentes, cada uma mais complexa que a anterior. São acordos para pagamentos parciais, planos de regularização de dívidas, tentativas de levantamento de impedimentos. Uma teia burocrática tão densa que até Kafka teria dificuldade em desenhar.

"Se conseguirmos as certidões...", "Se o administrador judicial autorizar...", "Se a FIFA aceitar o acordo..." - são os "ses" que governam o nosso dia-a-dia. Uma sucessão interminável de condicionais que nunca se materializam em realidade.

O mais frustrante é que cada negociação parece existir num vácuo, independente das outras. Resolvemos um problema aqui, surge outro ali. É como tentar encher um balde com um buraco no fundo - por mais água que se deite, nunca enche.

5. Depressão: O Peso da Realidade

A depressão no Bessa manifesta-se de formas subtis mas profundas. Está no olhar resignado de Cristiano Bacci nas conferências de imprensa, onde as palavras já não conseguem mascarar a realidade. Está nos jovens da formação, atirados aos leões numa idade em que deveriam estar a desenvolver-se sem pressão.

Vê-se na cara dos adeptos mais velhos, que se lembram dos tempos de glória e mal reconhecem o clube actual. Sente-se no ambiente do estádio, onde o orgulho e a paixão lutam contra um sentimento crescente de impotência.

É particularmente doloroso ver Alexandre Marques, com 19 anos, fazer a estreia como titular numa equipa principal que luta pela sobrevivência. Ver Seba Pérez, o capitão, fora da convocatória não por lesão ou opção técnica, mas por razões que todos conhecemos mas ninguém verbaliza.

A depressão não vem só dos resultados em campo - esses são apenas sintomas. Vem da consciência de que cada derrota, cada golo sofrido, cada ponto perdido é mais um prego num caixão que parece cada vez mais difícil de manter fechado.

6. Teste: A Última Linha de Defesa

O teste à nossa resiliência é diário e implacável. Está nas centenas de adeptos que continuam a apoiar a equipa nas deslocações fora independentemente do resultado. Está nos funcionários que, mesmo sem receber, continuam a dar o seu melhor pelo clube.

Testamos nossa fé quando vemos apenas cinco suplentes no banco semana após semana, quando assistimos a mais uma conferência de imprensa onde as palavras parecem cada vez mais vazias, quando lemos mais um comunicado que promete soluções que sabemos improváveis.

É um teste à nossa capacidade de acreditar contra todas as evidências. De manter a esperança quando tudo indica que devíamos desistir. De continuar a apoiar mesmo quando parece que estamos a gritar para o vazio.

7. Aceitação? Nunca!

Não há aceitação possível para quem tem mais de 120 anos de história. Não há resignação que caiba no peito de quem já foi campeão nacional, de quem já fez os grandes tremerem, de quem transformou o Bessa num dos redutos mais temidos do futebol português e europeu.

Aceitar seria trair essa história. Seria desonrar o legado de todos aqueles que construíram esta instituição. Seria dar razão àqueles que sempre nos quiseram ver pelas costas.

8. Ressurreição: A tentativa de reerguer no Bessa

Porque depois da noite mais escura vem sempre o amanhecer. A Pantera pode estar ferida, cercada por credores e impedimentos, sufocada por dívidas e entraves burocráticos, mas enquanto houver um axadrezado de pé, haverá luta.

Esta não é apenas mais uma crise. É um teste à nossa capacidade de sobrevivência, à nossa resiliência enquanto instituição. E se há algo que a história nos ensinou é que o Boavista não sabe morrer. Pode cambalear, pode sangrar, pode até cair - mas levanta-se sempre.

No Bessa, aprendemos que os momentos mais escuros precedem o amanhecer. Que cada crise traz consigo a semente da renovação. Que enquanto houver um Boavisteiro com o coração preto e branco axadrezado, haverá esperança. Será suficiente?

A Luta Continua

Quando tudo parecer perdido, quando o último plano alfabético falhar, quando o último comunicado oficial do clube soar vazio, lembrem-se: as panteras, como os felinos, têm sete vidas, e ainda não usámos todas.

Porque no final, não é sobre aceitar a derrota - é sobre continuar a lutar mesmo quando a vitória parece impossível. É isso que nos define. Não os títulos que conquistámos, não as glórias do passado, mas a capacidade de continuar a lutar quando tudo parece perdido.

A Pantera pode estar ferida, mas o seu rugido ainda ecoa no Bessa. E enquanto houver eco, haverá esperança. Como diz a tarja no Bessa: "Só os fracos desistem" - e fracos nunca fomos.


Fica o exercício de introspecção para o leitor: em que estágio de luto se encontra neste momento?

Nota final: Em memória de todos os que construíram esta instituição, de todos os que lutaram para a manter de pé, e de todos os que continuam a acreditar mesmo quando parece impossível. A luta continua, sempre p'la bandeira axadrezada.


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